domingo, 28 de janeiro de 2007

Sentar e esperar

A campanhia tocou. A mulher correu para ver quem era. No caminho, bateu a perna na quina da mesa de centro. O palavrão foi contido. O que importava era conseguir alcançar a porta. Estava esperando alguém e esse alguém estava mais que atrasado. Parou próxima a porta, respirou fundo e ajeitou o cabelo. Finalmente a abriu. Um homem extremamente antipático a encarava. Gravata sempre torta, óculos remendado. Era só seu vizinho com sua correspondência que fora entregue no apartamento errado. A vontade de xingar voltou. Não era quem esperava.

Às seis horas da manhã já estava de pé. Na verdade, tinha a impressão de que não tinha dormido a noite toda. Acordou tão cedo e logo começou seus afazeres. Antes mesmo de tomar café, iniciou a faixina diária. Era incrível como, de um dia para o outro, a casa enchia de poeira. Claro que a construção ao lado de seu prédio não ajudava. Todo o pó da obra parava em sua casa e por isso a faixina era diária. Enquanto a vida seguia - um novo prédio nascia logo ali, bem perto -, ela esperava.

Ela foi para a cozinha. Novamente, checou o estado de seu "cartão de visitas". Pela milésima vez, olhou se o gás estava fechado. Aproveitou que estava lá e foi até a geladeira. A massa ainda descansava pacificamente. Amanhã, se tudo sair como planejado, ela prepara uma de suas especialidades. Os últimos dias de espera têm sido tão agitados, que mal tem tido tempo de cozinhar. Comia porque era obrigada. O prazer da refeição foi substituído pela pressa.

Pensou em se distrair e decidiu ligar a televisão. Enquanto o mocinho e a mocinha tentavam chegar ao final feliz de sua aventura, ia de um lado para o outro sem parar. Em alguns momentos, achou ter ouvido uma chave na porta. E, em todos esses momentos, se preciptou para a porta, com a esperança de que o atrasado finalmente chegasse. Como um pêndulo, ia de um canto ao outro da sala. Nem mesmo os desencontros amorosos do casal eram capazes de fazer com que se esquecesse de que esperava. Horas após horas esperava. E era só o que fazia: esperar.

De sobressalto em sobressalto, de idas e vindas até a entrada, o dia passou. Até seu companheiro na longa espera, o sol, acabou indo embora. Cansou de esperar em vão. Foi deitar cansada. Não por ter feito esforço. Mas por uma agonia que já dura muito tempo e que parece que não acaba logo. Na manhã seguinte, começará tudo de novo.

4 comentários:

Anônimo disse...

A eterna espera... um martírio! Acho que minha 'tia' devia tentar viver um pouco. Como já cantavam os Beatles:

"Life is very short
and there's no time
for fussing and fighting, my friend"

Anônimo disse...

esperei tanto vc postar esse texto....

Anônimo disse...

To cumprindo minha promessa (so fiquei de ferias hj, e portanto nao atrasei...).
Esse texto me lembrou um chamado "o vestido", se nao me engano. Eu sei q ele trata justamente da vida de uma mulher em casa a espera de alguem, algo assim, tem anos q li. Esse texto foi inspirado em qm?
Ta bem legalz ele! Parabens!!!

Bjaooo

Valéria Vilas Bôas disse...

"Life is very short
and there's no time
for fussing and fighting, my friend"

Antes de sair de casa, é preciso sair do quintal de si mesma como diria Drummond. Fora dele ninguém fica sentado vendo a vida passar...